quarta-feira, 11 de maio de 2016

Minha casa

Assim como Manuel de Barros, eu construí minha casa sobre orvalhos
A mobília era tão velha quanto minha alma
Dividi os cômodos como achei que seria melhor 
Na minha organização eu coloquei no quarto a esperança e os sonhos adormecidos 
Na cozinha a euforia e a coragem
No porão as lembranças e os sentimentos ruins 
E deixei a sala vazia pra receber as visitas 
Por um bom tempo me mantive nessa organização
Nesse controle 
A maioria das pessoas que vieram me visitar se limitavam somente na sala 
Algumas adentraram a cozinha e outras o quarto
Mas nenhuma delas teve coragem de entrar no porão
Talvez porque até eu mesma esqueci que tinha um porão nessa casa
Mas o porão se tornou pequeno e alguns fantasmas que lá estavam começaram a me visitar 
Foi difícil entender o que aquilo significava 
Eles invadiram a cozinha, o quarto e a sala
A casa inteira foi dominada por eles 
Eu não sabia o que fazer e tentei fugir do meu próprio lar
A luta parecia vencida 
Minha casa estava se desmoronando e eu não sabia o que fazer 
Fiquei vagando pelas ruas e por casas que não eram minhas 
Até finalmente perceber que eu precisava voltar e encarar os fantasmas 
Voltei com um pouco mais de coragem e decidi abrir de vez o porão
Foi doloroso me encontrar com tudo que eu não queria ser ou ter 
Permiti que eles saíssem do cativeiro e andassem pela casa 
Parei de fugir e me permiti conhecê-los melhor
Deixei que as visitas também os conhecessem
Algumas não gostaram e foram embora 
Outras ficaram 
Eu ainda estou aprendendo a conviver com eles 
Às vezes até tomamos chá juntos
Percebi que a casa que eu construí não era exatamente uma mentira
Mas uma invenção
Tudo que criei foi uma casa agradável para abrigar os outros
Passei a vida toda preparando um café fresco para cada visita
E no meio dessa caminho eu me perdi
Me perdi entre o que sou o que querem que eu seja 
Percebi que nunca vou superar as expectativas de ninguém
Porque conforme elas aumentam eu diminuo 
Então, como a ajuda dos meus fantasmas estou em processo de desconstrução 
Estamos demolindo a velha casa 
E depois desse processo construiremos nossa nova moradia em base sólidas 
Onde nenhum vento forte pode derrubar 
Onde eu possa me abrigar e finalmente chamar de lar 

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