quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O homem mais solitário

Levantou de madrugada, antes do sol nascer, como de costume. 
A dor que sentia no corpo não lhe permitia ficar muito tempo deitado. 
E dor que sentia na alma não lhe permitia descansar, nem mesmo dormindo. 
Pegou a caixa de fogos que comprou no dia anterior. Levou para o meio da rua e soltou os fogos, sem se importar se acordaria alguém. 
Só queria comemorar ali na rua vazia e no silêncio da sua maluquez. 
Para os outros era mais uma loucura daquele homem. 
Mas o que ninguém sabia era que era mais um dia incomum. 
Era o aniversário do homem louco mais solitário. 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Expetativas

Para ela ainda era difícil se adaptar a nova vida.
Era tudo que queria, ou pensava que queria, família, casa e uma profissão.
Não sabia bem o que fazer com isso, talvez porque nunca esteve nesses papéis antes, e ninguém nunca lhe ensinou como agir neles.
Já não sabia se realmente era isso que queria de verdade.
Ainda faltava alguma coisa pra se sentir inteira. O que seria?
Pensou que talvez tivesse exigindo demais do mundo.
Percebeu que ao seu redor as pessoas se contentavam com o que tinham e não almejavam muito da vida. Se questionou se suas expectativas eram demais para o mundo que vivia.
Teve medo de perder os sonhos, as expectativas, e não mais se incomodar.
Preferia se perder nos livros e se encontrar nos escritos.
Porque sabia que o mundo real era muito difícil de ser suportar sozinha.
Se doava tanto e esperava tão pouco, sempre achou que essa troca deveria ser natural.
Teve medo de não esperar mais nada, se tornar mais uma pessoa passiva e sem expectativas.
Teve mais medo ainda de nunca se acostumar, de nunca se sentir pertencente a lugar algum.
De carregar para sempre essa solidão.
Só queria encontrar um lugar que pudesse chamar de lar, que tivesse prazer ao voltar e ver que tem gente, gatos e cachorros lhe esperando. Gente brigando mas, se amando.
Sabia que essa espera era dolorosa, mas sabia que não ter mais pelo que esperar era mais doloroso ainda. Preferia manter os sonhos ali, intactos na ponta da caneta e alimentando o coração.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Os pedaços que faltam

Ela não sabia ao certo onde isso tudo tinha começado. Lembrou das noites em que seu pai chegava bebado e com raiva. Das noites em que ele bradava palavras de ódio, colocando a culpa sempre nela. Ela era muito nova pra entender o que se passava, mas não podia deixar questionar a vida. Mas com o tempo, com as palavras incessantes na sua cabeça "a culpa é sua" ela acreditou. E carregou o peso com ela, da culpa de ter um pai doente, uma mãe depressiva e irmãos indefesos. Carregou a culpa por ter nascido sem permissão. Ela não sabia onde isso tudo começou, só sabia que já fazia tanto tempo, que parecia ter nascido com ela essa culpa. Mas seguiu a vida assim, se sentindo culpada por tudo, devendo pro mundo e pedindo desculpas por existir. Tentava de tudo, mas nada que fazia pelo mundo diminuia essa culpa. Foi tentando aprender a viver, mas a culpa que caregava nos ombros pesava tanto que era possível perceber em seus olhos o quanto estava cansada. Mantinha uma distância necessária das pessoas, porque não queria incomodar. Fazia tanto pelos outros que esquecia de si, como se não merecesse atenção. Pra ela existia uma dívida muito grande que precisava ser paga. As vezes sentia vontade de pedir ajuda, mas não conseguia, não queria atrapalhar ninguém. As vezes pensava em desaparecer desse mundo, mas a dívida era o que a mantinha ali, cuidando de todos. Mas naquela noite ela só teve vontade voltar no tempo, pra tentar descobrir onde foi que ela se convenceu dessa culpa, onde foi que começou a dívida e onde escondeu a esperança. Ela só queria entender onde ficou os pedaços que faltam pra ela se sentir inteira. Do pedaço de alegria, de esperança e de confiança. Ela só queria ter uma vida normal, ser uma pessoa normal. Mas se deu conta que já era tarde demais pra mudar alguma coisa.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A chuva que caía

Chovia forte e já era tarde da noite. Ela estava cansada de tudo, da forma como agia e de como os outros agiam com ela. Cansou de carregar o mundo nas costas, de colocar um sorrizo no rosto pra cuidar da dor dos outros. Quando tudo dentro dela estava aos pedaços. Chovia forte, as amigas lhe ofereceram carona, mas ela disse que não queria incomodar, nunca quis. Ela sentia que a pergunta feita era apenas por obrigação, por educação. Ninguém se preocupava de verdade se chegaria bem em casa. Todos acreditavam que ela se virava bem. Morava longe e voltava tarde. Pegava o último ônibus, descia e andava pelas ruas desertas e escuras até chegar em sua casa. Ela não se importava muito com o risco que corria todo dia. Mas naquela noite sentiu vontade de que alguém insistisse em levá-la pra casa. Que alguém se preocupasse se ela chegaria bem. Mas ninguém teve essa coragem. Então ela voltou pra casa, sozinha, na chova e na rua escura. Desceu do ônibus e nem olhou pros lados pra atravessar a rua. Sentiu a chova forte e gelada cair sobre suas lágrimas quentes. Percebeu o quanto estava sozinha e só desejou se desintegrar no meio daquelas gotas que caiam.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Esvaziando...

Nunca doeu tanto como agora
Mentira, sempre doeu
é que às vezes esqueço o quanto é forte 
É como um pedaço de mim sendo arrancado
Queria poder voltar no tempo
pra tentar entender onde foi que isso começou
Me sinto sendo rasgada, aos poucos
ao vento
De certa forma a culpa é minha
Eu não sei mais como parar 
Como sair disso
Me viciei em sentir, em pensar...
Às vezes a dor é tão anestesiante
e em outra vezes é tão insuportável...
Gostaria de me livrar dela
E seguir em frente
Mas não seria capaz de ser eu sem ela
Sinto que sou só isso
Que sem isso, não sou nada
Gostaria de ter uma opção 
Gostaria de ser outro alguém 
Queria ser aquilo que pensam que eu sou 
Mas não sei o que sou, nem eles
E nem como cheguei até aqui
Talvez eu nunca encontre a solução
mas eu preciso de alguma forma diminuir o peso
E essas palavras me ajudam um pouco
E assim vou me esvaziando 
me aliviando...