sexta-feira, 31 de julho de 2015

Sábado

Quase todos os seus sábados são solitários
É como se ela os reservasse
Para ser compartilhado com alguém
Assiste um filme ou lê um livro
Esperando uma resposta, um sinal
Alguma coisa que revele que seu coração ainda está vivo
Quando chega a noite ela se arruma
Vai ao grupo de amantes de cinema
Senta distante de todos
Fica atenta aos que chegam
Revelando uma ansiedade contida
Mas sem admitir publicamente
Ela espera por alguém
Alguém que nunca chega
Mas se chegasse…
Sentaria ao seu lado, e diria:
- Eu sabia que iria te encontrar aqui
Mas o filme começa e a ansiedade vai diminuindo
Junto com a esperança de ser surpreendida
O filme termina
A iluminação revela os rostos familiares
Todos a conhecem, ela está sempre lá
Afinal os sábados são dos namorados
Ou dos solteiros enlouquecidos
E como ela não pertence a nenhum desses mundos
Prefere ficar ali
No fundo escuro de uma sala de cinema
Em que a única surpresa possível
São as emoções de cenas ficcionadas

segunda-feira, 27 de julho de 2015

A cidade cinza da menina colorida

H.R.S Produções


Às vezes parece que existe uma cidade dentro de mim

Uma cidade que já foi povoada de gente, casas e ruas
Hoje é cheia de fantasmas e recordações
Mas ainda está em funcionamento
Ainda consigo olhar para rua onde morei
Ainda vejo as crianças brincando de pipa, de bola
Ainda vejo os cachorros suicidas na esquina
Na espera que carros apressados passem
E consumam o plano final desses pobres vagabundos
De corações nobres que, cansaram de sofrer
Ainda vejo a menina de vestido colorido
Saindo de casa com seus livros
Era a casa mais bonita da rua, com o muro verde de plantas
Ela dá um beijo de despedida no cachorro,
Passa pelos meninos distraídos e sorri
Ela sempre sorri
Porque tudo lhe encanta

A cidade agora está cinza
Os cachorros desistiram dos planos suicidas
Condenaram-se, sem julgamento formal, a sobreviver
O muro verde de plantas morreu
As crianças pararam de brincar
E a menina dos livros desapareceu
A cidade agora está vazia
Não têm mais a menina que pintava as ruas
Tenho esperanças que ela volte a povoar esse lugar novamente
Talvez ela esteja se aventurando por alguma literatura encantada
Às vezes me desespero, pego todos os livros que posso e abro
Procuro por ela
Quem sabe saia de alguma página?

Sinto falta da menina que aqui habitava
Sem ela sou uma cidade vazia ainda que em funcionamento
Só não funciona mais o coração
Talvez ela tenha se mudado
Hoje sou uma cidade cinza e vazia
Estou entregue a corrupção dos que tentam me dominar
Mas, ainda sou a cidade dos cachorros suicidas
Dos meninos que brincam na rua
Dos muros verdes e dos livros
Ainda sou a cidade cinza da menina colorida

Vazamento de palavras

Imagem de Nina Eick
Sinto que estou vazando
Não só pelas lágrimas que escorregam dos meus olhos
Ou pelo sangue que muda de percurso nas avenidas das minhas veias
Estou vazando pelas palavras
Tendo hemorragia de pensamentos
Só consigo estancar quando encontro o papel
Porque é o lugar que dá forma a esse vazamento
Vou construindo novas curvas
Novas veias para meu sangue escorrer livre
Não, essas palavras não foram escritas com tinta azul
Você não vê que as letras são vermelhas?
É o melhor de mim
Ou pelo menos o que restou
Estou preenchendo esse papel com o sangue que escorre da minha alma
Estou vazando
Estou partindo de mim
Migrando novamente para algum lugar desconhecido da minha mente
Algum novo mundo
Onde eu possa encontrar o desconhecido e criar novas possibilidades
Um lugar onde eu possa nascer novamente
Porque neste aqui eu já morri
 



Esperar


Tudo em mim parece morto
Menos a tristeza que me impulsiona a escrever
Tenho medo de não pertencer a esse lugar
Tenho medo de não pertencer a lugar algum
Meu coração está vazio
Saio para encontrar algum sentido fora de mim
Mas volto ferida e sangrando
Gostaria de parar de esperar
Eu não sei o que ou quem espero
Mas eu espero
Caminho e olho pra trás, na esperança que ele venha
Corra até onde estou, toque meus ombros e continue ao meu lado
Essa espera tem me paralisado
Só sei esperar
Esperar que o tempo passe e com ele a dor
Desconfio que algumas coisas nunca passam
Fico ansiosa por um futuro que talvez não seja meu
Minha mãe me chama pra jantar
Meu cachorro me chama pra brincar
Mas eu não tenho fome e nem ânimo
Fico aqui, sozinha com os pedaços que sobram de mim
Essa tristeza que habita em mim me povoa
Fico aqui, esperando alguma coisa
Qualquer coisa que faça sentido nessa minha existência sem sentido
Não sei até quando vou esperar
Temo que minha alma morra antes do meu corpo