Estava sentado em frente a minha casa quando ele
passou. Eram passos lentos e pesados demais para um menino de apenas 15 anos.
Passou por mim e por meus pais e nos cumprimentou.
Perguntou a meu pai se tinha algum ferro velho que não quisesse mais. Ele
costumava passar sempre na minha rua, eu que nunca tive tempo, ou sensibilidade,
de notar sua presença. Tínhamos a mesma idade, e segundo minha mãe éramos
parecidos. Ele é alto e magro, como eu.
Enquanto meu pai foi até o quintal pegar o material
que havia separado para ele, eu perguntei a minha mãe sobre aquele rapaz. Ela
me disse que veio do interior para estudar, estava matriculado na escola do
bairro, e logo começaria. E para ajudar sua família ele juntava ferro velho.
Então meu pai veio e lhe entregou os ferros, e ele
com um enorme sorriso no rosto agradeceu. Disse a minha mãe que estava ansioso
para ir à escola.
Eu que tinha a mesma idade, sabia o quanto era
difícil para os adolescentes aquele tipo de trabalho. Para muitos era vergonha
e humilhação, mas para ele não, era um trabalho normal, como qualquer outro. E
de cabeça erguida percorria as ruas, sem se preocupar com os olhares maldosos e
penosos que lhe observavam.
Lembro de quando eu era criança e ajudava meu pai a
juntar latinhas, era divertido, mas sempre que algum amigo da escola passava eu
me escondia. Tinha vergonha daquilo, e quando eu cresci meus pais melhoraram de
situação financeira, graças a Deus. Mas eu nunca esqueço as lições que meu pai
me ensinou.
Foi importante passar por aquilo. Talvez por isso eu
me impressionava tanto com aquele menino. Não era pena pelo que fazia, porque
minha mãe me ensinou que todo trabalho é digno e não devemos ter pena de
ninguém. Mas sim pela nobreza de como encarava o trabalho. Acho que meu pai
tinha razão quando me dizia que um homem não é só digno por trabalhar, mas,
principalmente pela forma como ele encara o trabalho.
Passei a noite pensando naquele menino, que como eu
deveria ter muitos sonhos. Pensei no quanto ele era diferente dos meus amigos,
que só pensam em se divertir e ficar com meninas. Ele sim era de uma grandeza
incomum.
Perguntei a meu pai o horário que ele costumava
passar, então fui até o portão e fiquei esperando. Quando ele passou, eu o
convidei para entrar, ele aceitou. Até meu cachorro o tratou bem, os animais
sempre reconhecem alguém de bom coração. Eu o convidei para lanchar, e
perguntei sobre a escola. Com toda paciência, que eu não tinha, ele respondia.
E assim conversamos por alguns minutos, era uma pessoa amigável. Não era nem
tímido e nem extrovertido demais, apenas contido.
Perguntei sobre seus materiais escolares, ele me
respondeu que ainda não tinha nada, mas estava juntando dinheiro para comprar.
Então fui ao meu quanto peguei minha mochila, que não era tão nova, mas logo eu
teria outra. Então perguntei se ele aceitaria, ele respondeu que sim. Mas o que para ele era muito para mim era
simples, porque minha mãe desde muito cedo me ensinou a dividir o pouco que
tínhamos com quem tinha menos ainda.
Foi uma ótima conversa, mas ele pediu desculpas e
disse que precisava voltar ao trabalho, havia muitas ruas ainda a percorrer. Então
fiquei pensando no tempo que lhe roubei, e tomei uma decisão.
- Posso ir com você?
- Não precisa se preocupar. Estou acostumado a andar
sozinho.
- Vou com você e pronto.
Pedi permissão a meus pais, e saímos
pela rua levando o carrinho de ferro. Foi uma tarde divertida, nos
conversávamos e riamos de tudo enquanto trabalhávamos. Na verdade nem parecia
ser trabalho para nós.
Nas nossas conversas ele me disse que tinha o sonho
de ser cientista, para descobrir a cura de todas as doenças. Principalmente a
de sua mãe. E que por isso queria estudar muito, queria ser muito inteligente.
Eu disse a ele que inteligência se adquire com o tempo, mas nobreza nasce com a
gente, é coisa da alma, e isso ele já tinha.
Combinamos de estudar juntos nas horas vagas. Ele
nem sabia como me agradecer, apenas me deu um longo abraço. Eu na minha ingenuidade
não sabia, mas aquele foi o abraço mais sincero que recebi na vida.
Então continuamos a busca por ferros velhos, mas com
uma alegria incomum. Não era a alegria passageira de uma tarde de brincadeiras,
mas era a alegria que se sente no encontro de duas almas amigas. Meu avô me
disse uma vez que encontros como esses são raros, poucos na vida tem essa
oportunidade, e os poucos que descobrem já não encontram mais sensibilidade
para reconhecer.
O sol estava se pondo, e nós paramos um pouco para
observar a beleza daquelas nuvens coloridas que pintavam o céu. Naquele
instante não pensava em mais nada, só em estar ali com meu novo amigo, que mais
parecia um velho conhecido.