segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Desencontro

Um encontro clandestino foi o nosso
Olhei no fundo de teus olhos e tive medo de não mais voltar
Naquele silêncio acolhedor eu me refugiei
Eu não sabia o que falar, eu não tinha para onde ir
Eram tantos assuntos, mas não dizíamos nada
Fiquei sem reação, preferi ficar admirando seus gestos
Você disse palavras desconhecidas no meu mundo
Tive vontade de ser egoísta e te pedir para ficar ao meu lado
Para juntos esquecermos o resto
Mas no momento seguinte recobrei a consciência
Me dei conta da minha condição e das nossas escolhas
Tão perto mas, tão longe
Nossos caminhos não se encontram
Não sei se esse momento foi real
Ou apenas acreditei que era
Mas a tua presença tinha cheiro
Que eu guardei na minha caixinha de memórias
E em um longo abraço nos despedimos
Você voltou para sua vida conveniente
E eu para o refúgio da minha solidão
Voltei para a escuridão do meu quarto
Onde a única luz é a da TV
Que passa cenas de um filme que eu já sei o final

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Amigos de Ferro

Estava sentado em frente a minha casa quando ele passou. Eram passos lentos e pesados demais para um menino de apenas 15 anos.
Passou por mim e por meus pais e nos cumprimentou. Perguntou a meu pai se tinha algum ferro velho que não quisesse mais. Ele costumava passar sempre na minha rua, eu que nunca tive tempo, ou sensibilidade, de notar sua presença. Tínhamos a mesma idade, e segundo minha mãe éramos parecidos. Ele é alto e magro, como eu.

Enquanto meu pai foi até o quintal pegar o material que havia separado para ele, eu perguntei a minha mãe sobre aquele rapaz. Ela me disse que veio do interior para estudar, estava matriculado na escola do bairro, e logo começaria. E para ajudar sua família ele juntava ferro velho.
Então meu pai veio e lhe entregou os ferros, e ele com um enorme sorriso no rosto agradeceu. Disse a minha mãe que estava ansioso para ir à escola.

Eu que tinha a mesma idade, sabia o quanto era difícil para os adolescentes aquele tipo de trabalho. Para muitos era vergonha e humilhação, mas para ele não, era um trabalho normal, como qualquer outro. E de cabeça erguida percorria as ruas, sem se preocupar com os olhares maldosos e penosos que lhe observavam.
Lembro de quando eu era criança e ajudava meu pai a juntar latinhas, era divertido, mas sempre que algum amigo da escola passava eu me escondia. Tinha vergonha daquilo, e quando eu cresci meus pais melhoraram de situação financeira, graças a Deus. Mas eu nunca esqueço as lições que meu pai me ensinou.

Foi importante passar por aquilo. Talvez por isso eu me impressionava tanto com aquele menino. Não era pena pelo que fazia, porque minha mãe me ensinou que todo trabalho é digno e não devemos ter pena de ninguém. Mas sim pela nobreza de como encarava o trabalho. Acho que meu pai tinha razão quando me dizia que um homem não é só digno por trabalhar, mas, principalmente pela forma como ele encara o trabalho.
Passei a noite pensando naquele menino, que como eu deveria ter muitos sonhos. Pensei no quanto ele era diferente dos meus amigos, que só pensam em se divertir e ficar com meninas. Ele sim era de uma grandeza incomum.

Perguntei a meu pai o horário que ele costumava passar, então fui até o portão e fiquei esperando. Quando ele passou, eu o convidei para entrar, ele aceitou. Até meu cachorro o tratou bem, os animais sempre reconhecem alguém de bom coração. Eu o convidei para lanchar, e perguntei sobre a escola. Com toda paciência, que eu não tinha, ele respondia. E assim conversamos por alguns minutos, era uma pessoa amigável. Não era nem tímido e nem extrovertido demais, apenas contido.
Perguntei sobre seus materiais escolares, ele me respondeu que ainda não tinha nada, mas estava juntando dinheiro para comprar. Então fui ao meu quanto peguei minha mochila, que não era tão nova, mas logo eu teria outra. Então perguntei se ele aceitaria, ele respondeu que sim.  Mas o que para ele era muito para mim era simples, porque minha mãe desde muito cedo me ensinou a dividir o pouco que tínhamos com quem tinha menos ainda.

Foi uma ótima conversa, mas ele pediu desculpas e disse que precisava voltar ao trabalho, havia muitas ruas ainda a percorrer. Então fiquei pensando no tempo que lhe roubei, e tomei uma decisão.

- Posso ir com você?

- Não precisa se preocupar. Estou acostumado a andar sozinho.

- Vou com você e pronto.

Pedi permissão a meus pais, e saímos pela rua levando o carrinho de ferro. Foi uma tarde divertida, nos conversávamos e riamos de tudo enquanto trabalhávamos. Na verdade nem parecia ser trabalho para nós.
Nas nossas conversas ele me disse que tinha o sonho de ser cientista, para descobrir a cura de todas as doenças. Principalmente a de sua mãe. E que por isso queria estudar muito, queria ser muito inteligente. Eu disse a ele que inteligência se adquire com o tempo, mas nobreza nasce com a gente, é coisa da alma, e isso ele já tinha.
Combinamos de estudar juntos nas horas vagas. Ele nem sabia como me agradecer, apenas me deu um longo abraço. Eu na minha ingenuidade não sabia, mas aquele foi o abraço mais sincero que recebi na vida.

Então continuamos a busca por ferros velhos, mas com uma alegria incomum. Não era a alegria passageira de uma tarde de brincadeiras, mas era a alegria que se sente no encontro de duas almas amigas. Meu avô me disse uma vez que encontros como esses são raros, poucos na vida tem essa oportunidade, e os poucos que descobrem já não encontram mais sensibilidade para reconhecer.


O sol estava se pondo, e nós paramos um pouco para observar a beleza daquelas nuvens coloridas que pintavam o céu. Naquele instante não pensava em mais nada, só em estar ali com meu novo amigo, que mais parecia um velho conhecido.