quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Diana e as pamonhas

Estava cansada de ficar sozinha e decidi ir até o parque. Gosto de ficar olhando as crianças brincando. Gosto de lembrar da minha infância. 
Levei meu caderninho para escrever um pouco. As crianças brincavam e eu observava atentamente. Os meninos disputavam o escorregador e os outros esperavam sem paciência a fila do balanço. 
As crianças brincavam juntas sem nem mesmo ser apresentadas. Sem se importar com as diferenças e nem mesmo ligar para a arrogância dos pais. Uma menina me chamou atenção. Ela ficava sozinha, mas não parecia triste ou “emburrada”. Ela só parecia não se sentir à vontade com os demais. Então brincava distante. Brincava com os gatos e corria atrás das borboletas. Parecia tão contente naqueles pequenos momentos, mas sua brincadeira foi interrompida. Uma mulher com uma bacia nas mãos lhe chamou:

-Vamos filha, já deu tempo de você brincar. Preciso que me ajuda a terminar de vender as pamonhas.

Então, ela seguiu sua mãe com a outra bacia. Fiquei de longe observando. Quando estavam dispostas a partir eu decidi comprar uma pamonha. 
Cheguei até elas, perguntei a menina quanto era, e ela me respondeu que eram apenas 2 reais. Entreguei o dinheiro e recebi a pamonha. 
Tomei coragem e perguntei seu nome. Ela me disse: 

- Diana 

Comecei a perguntar sobre sua vida. Mas com uma timidez nítida nos olhos ela me dava respostas breves. Quando finalmente ela quebrou esses e me encheu de perguntas: 

- Como é ser grande? Como é ter liberdade de fazer o que quiser?Como é ter amigos e tempo pra brincar? Você é feliz?

Fiquei surpreendida, mas respondi:

- Diana, você sim é grande. Quando criança achamos que ser adulto é melhor. Mas quando nos tornamos adultos queremos voltar a ser criança. Sim eu tenho alguns amigos, mas não temos tempo para brincar. Na verdade já faz muito tempo que eu não brinco com ninguém. Tenho tantas responsabilidades, tantos deveres que nem paro para pensar se sou realmente feliz. 
Mas me diz, o que você quer ser quando crescer? Qual é seu sonho?

- Eu vi na TV um homem indo pra lua, então me deu vontade. Acho que quero ser astronauta, quero descobrir outro planeta, onde crianças e adultos brincam juntos. Onde não há fome nem dor. 

-Que lindo sonho Diana, espero que você consiga realizá-lo. Mas pra isso você precisa continuar sonhando, e acreditando. Mesmo que se torne adulta, não deixe de ser criança nunca. Não se torne uma pessoa frustrada com a vida, seja livre pelas suas próprias escolhas. 

Ela me deu um sorriso contido, e então eu peguei meu caderno e lhe entreguei.

- Escreva nesse caderno todos os seus sonhos, para você nunca esquecê-los. Escreva também as angústias e tristezas, para você se livrar delas. Não carregue mais do que você pode suportar.

Ela me deu um longo abraço e me agradeceu. Fiquei sem palavras e apenas retribui o gesto de carinho. Já faz tanto tempo que eu nem sabia mais como abraçar alguém.
Parecia um encontro de velhas amigas. 
Então, sua mãe nos interrompeu e juntas voltaram ao trabalho.
 Não sei se um dia verei Diana novamente, mas aquela menina é tão grande quando seus sonhos, e tenho certeza que ela vai descobrir isso. 

Não voltei para casa naquele dia. Fui até a casa de uma antiga amiga, que sempre me chamava para conversar, mas eu na correria do meu dia-a-dia sempre adiava.  
Decidi então, convidá-la para brincar. Ela achou graça, mas aceitou. Há tempo não visitava ninguém. 
Aquela pequena grande menina me fez um favor. 
Me mostrou que ainda estou viva e posso sonhar. 

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Um pedido de ajuda

Ele sentou na beira do lago     
Olhou para a imensidão de água ao seu redor
E sentiu vontade de se jogar
Sem fazer forçar para nadar, ele desejou se afundar
Olhou para seu rosto refletido na água e gritou:
- Preciso de ajuda!!!
Mas ninguém escutou de verdade
Os poucos que escutaram de longe imaginaram que era um louco
Então ele escreveu em um papel um pedido de ajuda
“Pareço forte, mas é só pra ninguém ver
O tamanho das minhas feridas ainda abertas
O meu pior erro é tentar me enganar
De que estou bem, não eu não estou
Preciso de ajuda, mas não sei a quem pedir
Então fico torcendo pra alguma coisa acontecer
Algo que me tire daqui
Queria sumir
Fugir do que sou, e de como vivo
Fugir das minhas dores
Se alguém encontrar esse papel
Por favor, me ajude
Prazer sou Antônio!”
Então ele dobrou o papel, colocou dentro de uma garrafa de cerveja e jogou no lago
Do outro lado, bem distante
Uma menina alimentava os peixes
Havia tanta gente, mas ninguém para conversar
Encontrou uma garrafa com papel dentro
Achou interessante e leu
Ao ler, ela chorou
Foi um sentimento inexplicável
Pela primeira vez ela não se sentiu sozinha em sua dor
Só ela poderia entender o desespero de Antônio
Então, decidiu responder a ele da mesma forma
“Seu peso não é maior e nem menor que o meu
Mas se trocássemos não aguentaríamos
Estou disposta a te ajudar, pois te ajudando eu posso me encontrar
Sua solidão é tão parecida com a minha.
P.S. Me espere, estou indo te procurar.
Prazer Cecília!”
Então deu adeus aos peixes e foi até o outro lado
Antônio assustado, com a garrafa que voltava
Leu o bilhete, e pela primeira vez se sentiu correspondido
Sem precisar fingir ser o que não era
Na euforia do momento Cecília andou, correu
E Antônio esperou, pacientemente por ela
Já se passaram tantas horas, parecia uma eternidade
Mas no final da tarde, ela chegou
Olhou para todos, tentando identificá-lo
Poderia ser qualquer um
Não, não poderia, todos estavam ocupados demais para esperar por alguém
 Só poderia ser aquele rapaz sentado na beira sozinho
Ela foi até lá, sentou ao seu lado sem dizer nada
Então se abraçaram, e ficaram calados
Em um silêncio confortável
Pois nenhuma palavra traduzia esse momento
Deitaram na grama para observar o pôr-do-sol
E sem se preocupar com o mundo ao redor
Os dois dividiram suas dores
Partilharam a solidão
E naquele infinito momento se sentiram felizes

Ana e a solidão

Ela saiu andando pelas ruas
sem pressa e sem rumo
O som do silêncio preenchia sua alma
É disso que ela precisava
Se sentir vazia, sem alegria e sem dor
Sem recordações e sem entusiasmos
Precisava se encontrar com sua solidão
Ana abandou suas certezas  
Achou que estava enganada sobre quem era de verdade
Lembrou dos personagens que criou pra tentar fugir
Se deu conta de que gostava de mentir
De fingir ser outra pessoa e fugir do que realmente era
Ana foi uma criança muito sozinha
O que alimentou sua criatividade
Pois sem amigos ela conversava com animais e insetos
Era uma criança normal, mas com responsabilidades de adulto
Entendeu muito cedo o quanto a vida real era dura
Por isso criou seus próprios mundos
Um reino sem miséria e tristezas
Onde todo mundo era rei
Cresceu achando que nunca seria amada de verdade
Então no seu aniversário de 8 anos, o único finalmente comemorado 
Ela  achou que poderia fazer um pedido
Pediu para que quando crescesse ser tornasse uma garota amável
Uma mulher dedicada e engraçada, que agradaria a todos
Agora lembrando aquele pedido, ela se arrependeu
Pois ele foi atendido, ela realmente era uma garota engraçada
Todos a querem por perto, mas ninguém está ao seu lado
Já não há mais graça em nada
Não há ninguém para lhe fazer sorrir
O medo de estar sozinha agora pesa sobre seus ombros
Mas só ela sabia o quanto era difícil guardar esse segredo
Afinal, como seria se seus amigos soubessem
Que ao invés de uma menina sorridente e divertida
Ela era triste e sozinha? Quem iria quer ajudá-la?
Mas agora Ana decidiu enfrentar seus medos
E ser quem realmente é
Ou criar novos mundos e talvez novos personagens
Mas decidiu principalmente não esconder mais seu lado sombrio
E como fazia na infância
Ela saiu pelas ruas como uma criança perdida
Sem se preocupar em ser encontrada
Saiu de si para dançar com sua solidão