sábado, 20 de fevereiro de 2016

As chaves que eu perdi

Passando por essa praça agora, lembro do tempo em que podíamos desempenhar nossos papéis sem dificuldades. 
Vejo as crianças brincando e lembro de nós. 
Lembro daquele balão que você me deu. 
Junto com ele estavam, amarradas, as chaves do carro e da casa. 
Você confiou em mim mas, eu era muito nova pra entender o que aquilo significava. 
Minhas pequenas mãos não conseguiram segurar aquele grande balão. 
Acabei soltando
Talvez por que era pesado demais pra mim. 
E lá se foi pelo céu, as chaves que você me confiou. 
Hoje percebo que você me confiou a honra ter sido tua filha. 
E eu talvez por achar pesado demais, te soltei.
Não lembro como tudo isso aconteceu ou quando os papéis se inverteram. 
Gostaria de saber como seria se tivéssemos tido a oportunidade de assumirmos apenas os papéis que nos cabiam.
Gostaria que a vida tivesse sido mais justa com você.
Gostaria poder ter curado todas as tuas dores pra que, quem sabe assim, você pudesse sentir o prazer em estar aqui. 
Gostaria de ter aguentado. 
De não ter te soltado. 
De ter segurados as chaves que abriam nossas portas. 
Mas, assim como as chaves eu também te perdi. 
Tento me convencer de que talvez tenha sido melhor assim. 
De que algumas chaves são perdidas e nunca mais encontramos.
De que talvez esses papéis eram pequenos demais para sua grande alma. 
Me conforto em saber que agora você está livre. 
Livre desse mundo dessa forma limitada que chamamos de vida.

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